Gestão Social e Desenvolvimento Local na Perspectiva dos Gestores do Centros Culturais

Mariana Martins Alves Costa & Áurea Regina Guimarães Thomazi

Introdução

O problema que deu início a esta investigação foi pautado na carência existente nos centros culturais de instrumentos de avaliação dos resultados sociais de suas ações e seus programas, bem como de sistematização ou reflexão crítica sobre o próprio fazer para a promoção do desenvolvimento local.

Entre as dificuldades desses espaços estão as ações implementadas e desenvolvidas sem a preocupação de avaliar-se o impacto, pela dificuldade de medir o resultado ou desdobramento de uma ação sociocultural. Em geral, quando se diz que se desenvolve uma ação social ou cultural, parece que isso já tem valor por si só e, portanto, não se avalia nem, muitas vezes, se monitora.  Apesar dessa dificuldade, é preciso analisar como os centros culturais, de maneira geral, vêm desenvolvendo suas ações estratégicas e a existência de uma preocupação em relação ao impacto causado por essas ações para o desenvolvimento local.

Os desafios de se encontrar metodologias e estratégias para avaliar qualitativamente os desdobramentos das ações nos centros culturais são sustentados pela experiência da pesquisadora atuando durante 20 anos na área cultural e sua participação nos inúmeros encontros com gestores de centros culturais onde se discute com frequência o assunto. Não há sentido em apenas criar centros culturais se eles não fizerem diferença na realidade em que se inserem e, consequentemente, não provocarem o desenvolvimento local.

Também constituem justificativa para este estudo os poucos estudos focados em centros culturais como promotores de desenvolvimento local. A literatura sobre o tema aborda dinâmicas de políticas públicas ou de grandes corporações. Ainda que cite programas e projetos realizados por centros culturais, as referências são insuficientes.  Por isso, esta pesquisa é uma tentativa de identificar os modelos de gestão de centros culturais como promotores de desenvolvimento local.

Dito em outras palavras, buscar conhecer experiências de gestão de centros culturais é de fundamental importância para minimizar a falta de referência no assunto e disponibilizar informações e metodologias de trabalho que poderão contribuir para a credibilidade e sustentabilidade desses espaços como promotores de desenvolvimento local.

Tendo em vista que, muitas vezes, gestores de centros culturais procuram buscar propostas de inovação social, torna-se relevante pesquisar os centros culturais também no sentido de contribuir com uma reflexão acerca do caráter inovador da gestão por meio de ações multidisciplinares de formação, atividades ligadas à cultura e às artes, bem como ações educativas focadas na participação.

Partindo do que já foi mencionado, o objetivo desta pesquisa foi buscar uma forma de analisar os centros culturais não diretamente em relação ao impacto, mas analisá-los internamente, em seus aspectos de gestão, tais como objetivos, prioridades e estratégias.

Para isso, buscou-se analisar vários aspectos na gestão desses espaços, que são importantes para referendar o estudo do problema, tais como se essa gestão se aproxima mais de uma gestão empresarial, pública ou social e/ou possui projetos inovadores que promovam o desenvolvimento local. Parte-se do pressuposto de que quanto mais uma gestão se aproxima de uma gestão social com base em uma estrutura participativa, horizontal, que envolva os três pilares de um território (estado, sociedade civil e tecido empresarial), mais chances de determinado centro cultural contribuir para o desenvolvimento local, no sentido de um projeto societário transformador.

A esse respeito, o referencial teórico consultado fundamenta o projeto em quatro eixos interligados. No primeiro, faz-se uma breve análise do conceito da cultura e como ela tem sido discutida em vários campos do conhecimento humano, contextualizando-a como um sistema dinâmico e multidisciplinar. Assim, considera-se o conceito de cultura como forma de gerar economia, cidadania, acessibilidade, inclusão e participação a partir de ações culturais promovendo o desenvolvimento local. Foi de fundamental importância para a elaboração desta pesquisa a definição da cultura como característica de “[…] um grupo social e que abarca, para além das artes e das letras, os modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, os sistemas de valores, as tradições e as crenças” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA – UNESCO, 2009, p. 4). Também foi relevante a contribuição de Yúdice (2004) inserindo a cultura na dimensão da chamada economia do conhecimento.

Em segundo lugar, buscou-se contextualizar os centros culturais, seu papel no espaço em que estão inseridos e suas formas de gestão. Segundo Milanese (1990), os centros culturais devem estar conectados com o local onde são implantados, sua função como promotores de desenvolvimento local perde o objetivo se não responder aos anseios do cidadão. Deve propiciar o encontro entre as pessoas e a cidade, possibilitar o entendimento dos acontecimentos contemporâneos e prestar serviços à população de forma participativa e inclusiva de suas ações. Em seguida, discute-se sobre gestão social e desenvolvimento local à luz das reflexões de Tenório (2005, p. 102), contextualizando gestão social:

 

Gestão social como o processo gerencial dialógico no qual a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação (ação que possa ocorrer em qualquer tipo de sistema social – público, privado ou de organizações não-governamentais). O adjetivo social qualificando o substantivo gestão entendido como o espaço privilegiado de relações sociais em que todos têm o direito à fala, sem nenhum tipo de coação.

 

É a gestão social convergindo para o desenvolvimento local que consiste no desenvolvimento econômico e do capital social de determinado território, com a participação do poder público, privado e sociedade civil. É uma engrenagem construída pelo poder local, comércio e a sociedade civil em prol da comunidade. Todo tipo de investimento que envolva esse tripé e que resulte em benefícios para uma comunidade está contribuindo para o desenvolvimento local. Dessa forma:

 

O desenvolvimento local deve se dar por dentro de processos participativos nos quais a cidadania, de forma individual ou por meio de seus diferentes agentes da sociedade civil, em diálogo com o poder público e o mercado, propõe soluções planejadas em prol do local/regional. A preocupação, portanto, deve ser mais com o processo decisório na solução dos problemas locais do “como” e não do “através”, da participação e não do mecanismo: de governo, da sociedade civil ou do mercado (TENÓRIO, 2007, p. 101).

 

Por fim, discute-se sobre como as práticas de gestão de centros culturais podem contribuir ou não para a promoção do desenvolvimento local. Nessa visão, o centro cultural pode constituir-se em um espaço de vivência comunitária da região. Pode ainda contribuir para a criação e reforço de relações sociais baseadas na identidade local e na solidariedade, tendo em vista que os efeitos desse tipo de vivência ultrapassam o sentido meramente artístico, recreativo ou educativo.

Colocam-se no campo político como elementos de construção de uma política cultural nova, baseada na noção de cidadania e na participação da sociedade na gestão das políticas e equipamentos culturais, potencializando o desenvolvimento local e configurando-se como um espaço de reunião e encontro dos cidadãos da cidade ou região. Um centro cultural pode assumir o papel de polo de organização da população não só em torno do saber e das artes, mas também em torno da discussão da ação coletiva em questões locais ou mesmo de abrangência mais ampla.

 

1.1 As modalidades dos centros culturais

 

Para melhor investigar o problema levantado, optou-se pela pesquisa numa abordagem qualitativa, caracterizando-a como um estudo exploratório desenvolvido nas modalidades bibliográfica e empírica. Foi realizado levantamento bibliográfico utilizando-se a biblioteca digital brasileira de teses e dissertações do site Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) para levantamento de teses e dissertações e o site Scientific Electronic Online (SCIELO) para levantamento de artigos, com a utilização das seguintes palavras-chave: cultura, centros culturais, gestão cultural, gestão social e desenvolvimento local. A partir dos autores mais citados nas dissertações, teses e artigos lidos, foram consultados os autores clássicos que discutem o tema e a partir daí selecionados os livros que compuseram a pesquisa bibliográfica. Além da pesquisa em dissertações, teses e artigos, foi realizada análise de alguns textos relativos aos direitos culturais, além da Constituição de 1988, documentos do Ministério da Cultura e dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A pesquisa empírica teve como cenário três centros culturais na cidade de Belo Horizonte-MG. A seleção dos centros culturais teve como critério a escolha de três gestões distintas, sendo analisadas uma gestão privada, uma gestão pública e uma gestão público-privada. Esta investigação dedicou-se aos dados documentais e entrevistas com gestores dos três centros culturais. As gestões de cada um deles foram analisadas, visando identificar as possibilidades, os obstáculos e as vantagens de cada tipo de gestão, sempre tendo como referência em que medida esses contemplam o desenvolvimento local.

Entre os três centros culturais selecionados apresentam-se semelhanças, mas também algumas particularidades. O primeiro deles, que aqui se denomina de Centro Cultural A, caracteriza-se por uma gestão pública e pertence a um banco estatal brasileiro que pratica investimentos culturais no Brasil com foco em centros culturais próprios. Possui diversas ferramentas gerenciais para a prática de ações e programas participativos, considerando-se as intervenções do Governo e do Ministério da Cultura. O Centro Cultural B, com gestão público-privada, pertence a uma grande empresa na área da mineração brasileira, com investimentos na área da cultura, educação e responsabilidade social. E finalmente o Centro Cultural C, com gestão privada, é parte de uma grande empresa multinacional, na fabricação de tubos de aço, com investimentos na área de responsabilidade social.

Na pesquisa aqui relatada foram analisados os seguintes documentos dos três centros culturais objetos deste estudo: os estatutos, as atas das reuniões dos conselhos, os relatórios anuais e os termos de compromisso referentes às parcerias público-privadas. Esta análise teve por objetivo levantar que assuntos foram discutidos e os aspectos que apresentem indícios de fatores que dificultam ou favorecem os centros culturais de se aproximarem de uma gestão social com vistas a promover o desenvolvimento local.

O recorte temporal desta pesquisa teve o período compreendido entre fevereiro de 2014 e fevereiro de 2015. Esse período abordou o cronograma de ações anual de um centro cultural com seu orçamento, metas e indicadores, visando a uma possível análise da gestão como um todo.

Os sujeitos da pesquisa foram os gestores dos três espaços escolhidos, pois eles complementaram a análise documental, esclarecendo pontos levantados anteriormente. Os gestores dos centros culturais têm como responsabilidade elaborar e planejar o plano anual dos espaços, orçamento e programação e responder burocraticamente junto aos órgãos pertinentes, conselhos e empresas privadas responsáveis pelo local. A escolha desses sujeitos foi pela abrangência das informações pertinentes ao cargo e sua autonomia junto às instituições.

Foram realizadas entrevistas semiestruturadas junto a esses gestores dos três centros culturais. As entrevistas visaram essencialmente clarear e complementar pontos e aspectos que ficaram obscuros e levantaram dúvidas durante o processo de análise de documentos.

 

1.2 Os gestores dos centros culturais

 

A análise dos documentos e as entrevistas permitiram constatar que os profissionais entrevistados que atuam na gestão dos três centros culturais têm cargos de confiança nas empresas, sendo que dois deles ocupam cargos gerenciais e o terceiro de coordenador. A idade de um dos entrevistados é de 37 anos e dos outros dois, superior a 40 anos, o que pode ser um indício de certa maturidade profissional dos que assumem a responsabilidade da gestão dos centros culturais. Todos pertencem ao sexo masculino. As formações dos três gestores são variadas, um deles tem formação em Economia, outro em Comunicação, Propaganda e Jornalismo e o terceiro em Filosofia.

Detectou-se, entre os entrevistados, uma busca constante por formação continuada, sendo que os três possuem formação pós-graduada. Foi ainda manifestado por eles significativo interesse e um movimento em direção a cursos, palestras, seminários, fóruns e encontros com outros gestores e com a categoria artística, com o objetivo de conhecer as tendências e mudanças no mundo da cultura.

Em relação a experiências anteriores, um dos entrevistados declarou não ter exercido outras atividades na área cultural, sendo que sua experiência foi adquirida na própria empresa onde atua atualmente e construída por meio de cursos, observação de outras empresas e também por meio de ensaios e erros. Os outros dois entrevistados declararam ter experiência oriunda de outros setores do campo cultural.  O tempo de trabalho com planejamento cultural nas empresas onde atuam como gestores de centros culturais varia entre dois e cinco anos. Os três gestores entrevistados estão alocados em fundações sem fins lucrativos, as quais a companhia ou instituição mantém.

Apurou-se, ainda, que o profissional designado pelos centros culturais pesquisados para a atividade de gestor ocupa cargo gerencial e de confiança na organização e detém certo grau de autonomia, tanto na sua atuação, como nas reflexões sobre o planejamento das ações e programas do centro cultural.

 

1.2.1 A perspectiva dos gestores sobre gestão social e desenvolvimento local

 

Nas entrevistas, as questões foram feitas oralmente pela pesquisadora, com a permissão prévia e formal dos entrevistados e a formalização do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aprovado pelo Comitê de Ética. Essas entrevistas visaram essencialmente clarear e complementar pontos e aspectos que ficaram obscuros e levantaram dúvidas durante o processo de análise de documentos. Os dados coletados a partir das entrevistas, os estatutos dos centros culturais, as atas das reuniões dos conselhos dos espaços, relatórios anuais e termos de compromissos foram analisados pela técnica de análise de conteúdo por temas (BARDIN, 2007). As categorias de análise foram definidas com o intuito de organizar e articular os dados com o referencial teórico utilizado, objetivando as discussões e as considerações finais.

Optou-se por apresentar as manifestações dos entrevistados na forma desses discursos, reunindo expressões-chave de cada respondente quanto ao conjunto das questões do instrumento de coleta de dados. Esses discursos representam as ideias centrais, expressas nas falas dos sujeitos, conforme os 12 blocos de perguntas reunidos por afinidade do tema, como apresentado a seguir:

No primeiro bloco de perguntas foram reunidos os temas envolvendo as motivações para criação dos centros culturais, os sujeitos sociais ou grupos envolvidos nessa criação, os obstáculos e as fontes de financiamento.

O gestor do Centro Cultural A mantém gestão pública.

O gestor do Centro Cultural B mantém gestão público-privada.

O gestor do Centro Cultural C mantém gestão privada.

O gestor do Centro Cultural A declarou que as motivações para criação do espaço foram trazer as experiências dos demais centros culturais da instituição para Belo Horizonte, a localização estratégica com a proposta de fazer parte do circuito cultural Praça da Liberdade, ocupando um prédio tombado do complexo. O gestor ressaltou que não houve obstáculos na implantação do centro cultural e o sujeito envolvido na criação do espaço foi a diretoria da instituição. Conforme o gestor esclareceu, a fonte de financiamento para restauração e implantação do centro cultural foi proveniente de recursos próprios da empresa.

Para o gestor do Centro Cultural B, a motivação para a criação do espaço foi um convite do Governo de Minas Gerais para fazer a reforma do prédio tombado na Praça da Liberdade para a sede da Orquestra Filarmônica. Primeiramente, a empresa não seria gestora do espaço, mas somente bancaria a reforma. Depois de um levantamento arquitetônico, percebeu-se que o prédio não comportaria a reforma proposta e houve uma reviravolta no projeto de reforma e implantação e a empresa teve o convencimento do governo para transformar o local em um centro cultural, com uma gestão mista. O compartilhamento financeiro não aconteceu e a empresa assumiu os custos e manteve uma gestão público-privada. Os sujeitos envolvidos foram uma Fundação sem fins lucrativos, vinculada à própria empresa, e o Governo de MG. Ainda conforme depoimento do gestor, os obstáculos foram as mudanças de percurso e prazo de execução. O gestor salientou que houve uma equipe mentora conceitual criada pela Secretaria de Estado de Cultura: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mesosfera (empresa terceirizada para fazer a curadoria do espaço) e Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA). O gestor afirmou que o financiamento da reforma e implantação do centro cultural foi financiado com recursos próprios.

Finalmente, segundo o gestor do Centro Cultural C, a motivação para a criação do espaço foi uma forma de retribuição da empresa ao acolhimento que recebeu da cidade quando de sua implantação ainda na década de 1950 e uma forma efetiva de contribuir com o desenvolvimento e difusão das atividades culturais. Mencionou que diversos sujeitos foram envolvidos nos trabalhos, cada um na sua especialidade. Não se aludiu a obstáculos e afirmou que a fonte de financiamento foi por meio de recursos próprios e de renúncia fiscal para a reforma e implantação de um prédio tombado e adquirido pela empresa no centro da cidade de Belo Horizonte.

Interessante na fala dos três gestores é que os centros culturais foram implantados em prédios tombados, o que remete ao ponto de vista de Milanese (1990) de que esse tipo de iniciativa contribui para a preservação, restauração ou manutenção do patrimônio público com o investimento da iniciativa público-privada, já que, quase sempre, a parceria incorpora um prédio público com valor histórico para a implantação do centro cultural. Ramos (2008, p. 71) ressalta também que “o espaço e a espacialidade de um centro cultural é, pois, questão estruturante de sua missão”. Deve-se enfatizar que nos centros culturais A e C de gestão pública e privada a implantação foi a partir do interesse de reforçar que os espaços são uma forma de acessibilidade e reconhecimento para a cidade. Já no caso do Centro Cultural B, de gestão público-privada, foi um pedido da Secretária de Cultura de Minas Gerais como forma de parceria público-privada.

No segundo bloco apresentam-se as questões sobre os objetivos, as metas, os programas e suas diretrizes.

No caso do gestor do Centro Cultural A, que mantém gestão pública, as metas e os objetivos estão na diversidade, ou seja, atingir todo tipo de público com programação para todas as faixas de renda e faixa etária a preços populares ou gratuitos. Como diretriz dos programas, o entrevistado mencionou que os projetos são avaliados e aprovados por meio de edital. Avalia-se a relevância histórica, artística, cultural, inovadora (linguagem e técnica) e respeito à diversidade sem discriminação de etnia, gênero ou orientação sexual, focando na diversidade.

Já o gestor do Centro Cultural B, cuja gestão é público-privada, citou que o objetivo do espaço é centrado no relacionamento com a comunidade e tem como diretriz o foco em educação, cultura, social e meio ambiente. O gestor afirmou que as metas a serem cumpridas são o número de visitantes, número de instituições contempladas pela ação educativa, meta financeira, número de eventos realizados com parceria e a formação de educadores e professores. Os programas são elaborados para todo tipo de público.

O terceiro gestor, do Centro Cultural C – gestão privada -, afirmou que o principal objetivo do centro cultural é fomentar e difundir a produção cultural nacional e internacional por meio de eventos que contemplem as diversas linguagens artísticas. Como meta, o gestor frisou que o foco do espaço é oferecer uma programação artístico-cultural com excelência e referência no campo técnico profissional das artes, desdobrando-se na qualidade de sua agenda cultural. Os programas, conforme o gestor, buscam desenvolver uma programação diversificada para todo tipo de público. A respeito da diretriz do espaço, o gestor respondeu que o foco é promover o resgate histórico e patrimonial de um dos mais emblemáticos espaços de cultura da cidade e oferecer um ambiente de convivência e promoção da diversidade cultural e cumprir os princípios de cidadania da empresa, fortalecendo a fruição cultural de Minas Gerais.

Apesar de algumas diferenças de gestão, todas as ações e os programas proporcionados pelos espaços são desenvolvidos para todo tipo de público e quase sempre são gratuitos ou a preços bastante acessíveis. Pode-se notar que os três espaços têm muita preocupação em relação à acessibilidade. Coelho (2011) preconiza que a participação nas atividades culturais, juntamente com o acesso a elas, forma a espinha dorsal dos direitos humanos relacionados à cultura. O acesso é um elemento indispensável de qualquer direito cultural e, principalmente, do direito de participar da vida cultural. O acesso está relacionado a oportunidades, opções, alternativas e escolhas. O que é importante destacar é que na fala dos gestores permeia uma noção de gestão social, como uma necessidade dos tempos modernos, uma inovação social, em que só o foco na economia não satisfaz as demandas do ser humano e seu desenvolvimento social, como se pode perceber nas considerações de Dowbor: (1999, p.3) de que:

O crescimento econômico, quando existe, não é suficiente. Nem a área produtiva, nem as redes de infraestrutura nem os serviços de intermediação funcionarão de maneira adequada se não houver investimento no ser humano, na sua formação, na sua saúde, na sua cultura, no seu lazer, na sua informação […] (DOWBOR, 2009, p. 3).

O terceiro bloco trata dos benefícios ou oportunidades proporcionados pelas ações e programas culturais desses centros culturais.

O depoimento do gestor do Centro Cultural A revelou que os benefícios dos programas são a relação da cultura como elemento civilizatório, de identidade, de integração com culturas distintas e acessibilidade, além da cultura como formação de um povo. Em relação às oportunidades, o gestor argumentou a respeito da geração de emprego e renda proporcionada pelo espaço: 250 empregos diretos, 4.000 indiretos, sendo que 70% dos empregados nas atividades do centro cultural são de mão de obra local, não sendo mais porque esta não supre a demanda.

De acordo com o gestor do Centro Cultural B, toda a programação é gratuita tanto quanto o acesso ao espaço. E complementou que o maior investimento do espaço é no projeto educativo e na formação dos professores.

Já na entrevista com o gestor do Centro Cultural C, inferiu-se em relação às oportunidade e benefícios que as atividades desenvolvidas pelo espaço estão em consonância com os preceitos constitucionais de afirmação de direitos culturais dos cidadãos, por meio da fruição, contemplação, consumo e valorização do conjunto dos bens simbólicos presentes na sociedade brasileira, sendo que o espaço é por excelência indutor do encontro entre a pessoa e a produção artística.

Pode-se notar que o centro cultural de gestão pública, além de se preocupar com a acessibilidade e formação das pessoas, cita a relevância da oportunidade e dos benefícios da geração de emprego – inserida na economia criativa – e o possível papel como promotor de desenvolvimento local que o centro cultural representa. A economia criativa se alimenta dos setores criativos, para produzir bens e serviços de forma multidisciplinar, transversal e intersetorial, conseguindo transformar o arranjo produtivo da cultura em uma importante economia de mercado (BRASIL, 2011). Os centros culturais de gestão privada e público-privada reconhecem que os benefícios são a acessibilidade aos bens culturais como forma de afirmação de direitos culturais dos cidadãos. Chauí vê nessa perspectiva o direito à cultura como o:

Direito a reconhecer-se como sujeito cultural, graças à ampliação do sentido da cultura, criando para isso espaços informais de encontro para discussões, troca de experiências, apropriação de conhecimentos artísticos e técnicos para assegurar a autonomia dos sujeitos culturais, exposição de trabalhos ligados aos movimentos sociais e populares (CHAUÍ, 1995, p. 82).

Neste bloco tratou-se de abordar questões sobre a existência de programas específicos para grupos, instituições ou escolas.

O primeiro entrevistado, o gestor do Centro Cultural A, prelecionou que existe o programa educativo com agendamento para escolas e grupos para todo tipo de faixa etária.

Ao mesmo tempo, o gestor do Centro Cultural B indicou que existe a ação educativa com programas estruturados e específicos para escolas, arte, educadores e professores.

Esse mesmo tipo de programa educativo também foi citado pelo gestor do Centro Cultural C e, nesse caso, trata-se de um programa voltado para atender estudantes do ensino fundamental, universitários, idosos e público espontâneo. Para tanto, promovem agendamentos de escolas públicas e privadas e institutos educacionais voltados para a inclusão socioeducacional em geral.

Essas informações permitem pensar que os programas específicos dos três centros culturais são focados em ações socioeducativas. É interessante ainda registrar a interdisciplinidade entre a cultura e a educação como forma de desenvolvimento do cidadão. Segundo Milanese (1990), além de acessibilidade e democratização da cultura como direito do cidadão, o centro cultural é um importante fomentador de diálogos e reivindicações de ideias inovadoras para a formação e desenvolvimento do cidadão a partir de ações participativas. Estas levam a refletir sobre a gestão social e o desenvolvimento local, os quais não ocorrem sem a participação espontânea dos atores, sendo que os direitos têm que ser adquiridos e não recebidos de uma forma assistencialista. Quanto mais expressiva a participação, maior o poder de reivindicação de uma comunidade em relação às suas necessidades e mais autonomia dos atores envolvidos. Mas é preciso lembrar que “não existe participação suficiente, nem acabada. Participação que se imagina completa, nisto mesmo começa a regredir” (TENÓRIO, 1993, p. 18).

O quinto bloco destaca a contribuição desses centros culturais para os profissionais da área de cultura e o lugar que esses espaços ocupam hoje no cenário sociocultural da cidade.

O gestor do Centro Cultural A exemplificou como oportunidade a condição da classe artística e técnicos usufruírem de equipamentos de primeira geração, a programação constante como forma de geração de emprego e renda e contratação de mão de obra local. E informou que o espaço cumpre o seu papel de agente cultural da cidade.

O gestor do Centro Cultural B destacou que apoia artistas mineiros que não têm acesso a um espaço e estrutura de montagem de qualidade.

Da mesma forma, o terceiro gestor – do Centro Cultural C – realçou que a contribuição do espaço é expressiva e importante para a formação profissional dos agentes que atuam no campo da cultura. Esse centro cultural mobiliza significativo número de técnicos e fornecedores que atuam na produção de eventos: técnicos de som, técnico de iluminação, cenotécnicos, figurinistas, designers, atores, produtores, profissionais de comunicação e tantos outros que dinamizam o mercado cultural.

Pode-se notar que todos os três centros culturais têm a preocupação de contribuir com a formação dos profissionais da classe artística e sua posição no mercado cultural. Ressalta-se novamente a economia criativa e sua importância na movimentação econômica do setor, interagindo com o desenvolvimento local, em que a maioria desses profissionais é contratada. Registra-se aqui o ponto de vista expresso pela Secretaria de Economia Criativa de que a economia criativa brasileira somente seria desenvolvida se:

[…] incorporasse na sua conceituação a compreensão da importância cultural do país, a percepção da sustentabilidade como fator de desenvolvimento local e regional, a inovação como vetor de desenvolvimento da cultura e das expressões de vanguarda e, por último, a inclusão produtiva como base de uma economia cooperativa e solidária (BRASIL, 2011, p. 32).

 

No sexto bloco foi abordada a existência de estratégias como, por exemplo, de reuniões que promovam a participação e, em caso positivo, quais setores e sujeitos foram ouvidos bem como a efetividade dessas reuniões.

O gestor do Centro Cultural A participa de vários comitês de cultura e procura dialogar com os demais espaços culturais da cidade. Mencionou que existe um canal aberto da empresa com a comunidade por meio do qual recebe sugestões em relação ao complexo. E acentuou que existe um comitê administrativo do espaço que discute todas as sugestões. O gestor comentou que participa do comitê do circuito da Praça da Liberdade (gestores dos espaços culturais) e comitê Com.Cultura (empresas patrocinadoras).

O Conselho da empresa ligada ao Centro Cultural B reúne-se três vezes ao ano e a área de cultura reúne-se mensalmente. O gestor sempre convida alguém de fora da Fundação e da empresa para participar. Destacou que abre o auditório para projetos do meio acadêmico.

Nesse quesito, duas atividades foram referidas pelo gestor do Centro Cultural C: as formativas, que são realizadas com os artistas convidados para participarem de um projeto, quando são promovidos workshops, debates, oficinas com o público em geral, com artistas consagrados e em formação. Esse projeto aproxima o público para a produção e reflexão desse local e de seus bastidores. Outro ponto que ele cita como forma de contribuição e promoção para a participação e o vínculo dos agentes culturais com o espaço é a cessão da sala de reunião para que esses mesmos agentes possam se reunir com seus pares em pleno centro da cidade. Esse fácil acesso ao local tem sido compreendido como um importante apoio aos grupos culturais locais.

Pode-se notar que os Centros Culturais A e B, com gestão pública e público-privada, respectivamente, possuem comitês e conselhos para trabalhar as diretrizes dos espaços, mas com participação restrita a funcionários das próprias empresas mantenedoras, sendo que o de gestão púbico-privada geralmente convida um participante de fora da empresa para participar do conselho de cultura. Já o gestor do Centro Cultural C, de gestão privada, não menciona nem conselhos nem comitês de participação. Nesse aspecto, os três centros culturais se distanciam de uma gestão social, na perspectiva de Tenório (2005, p. 102): “[…] gestão social como o processo gerencial dialógico no qual a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação (ação que possa ocorrer em qualquer tipo de sistema social – público, privado ou de organizações não governamentais)”.

Já no quesito de sujeitos envolvidos, o gestor do Centro Cultural A tem um canal aberto para receber sugestões da comunidade em relação ao complexo. E os gestores dos Centros Culturais B e C mencionaram que abrem o espaço para reuniões de agentes culturais e para o meio acadêmico.

Percebe-se, portanto, que a participação da comunidade como um todo é ainda bastante incipiente. Já existem alguns canais, criados pelos próprios centros culturais, mas ainda não caracterizam uma participação da comunidade e do público em geral:

O desenvolvimento local deve se dar por dentro de processos participativos nos quais a cidadania, de forma individual ou por meio de seus diferentes agentes da sociedade civil, em diálogo com o poder público e o mercado, propõe soluções planejadas em prol do local-regional (TENÓRIO, 2007, p. 101).

Nesse caso, os três centros culturais distanciam do contexto do desenvolvimento local por falta de uma participação mais efetiva junto aos sujeitos envolvidos.

O sétimo bloco identificou haver alteração na dinâmica dos centros culturais, decorrente da participação do público frequentador ou de algum funcionário.

A alteração feita no Centro Cultural A foi exemplificada pelo gestor com o pedido da retirada de um ascensorista, por ser o elevador pequeno demais e dificultar a acessibilidade, a melhoria da sinalização e a troca do equipamento dos banheiros, todos a pedido do público frequentador. E informou que todos os pedidos foram efetivados

A primeira modificação feita no Centro Cultural B foi no programa educativo e a proposta veio da própria equipe educativa para reformulação de todo o programa. A pedido do público frequentador, o gestor citou a retirada de um item da programação. Acrescentou, ainda, uma demanda vinda do público estrangeiro solicitando uma equipe mais especializada e preparada para recebê-los. Está sendo elaborado um programa em que serão desenvolvidos percursos a serem seguidos e interação em outros idiomas.

Foi esclarecido pelo gestor do Centro Cultural C que o espaço está em processo de construção de mecanismos de avaliação de propostas vindas do público frequentador e da própria equipe para sugestões ou alterações na dinâmica do espaço.

Nota-se que os centros culturais de gestão pública e público-privada fizeram modificações escutando o público frequentador do espaço e da própria equipe. As duas gestões permeiam a contextualização de gestão social e o desenvolvimento local que não ocorrem sem a participação espontânea dos atores, sendo que os direitos têm que ser adquiridos e não recebidos de forma assistencialista. Quanto mais expressiva a participação, maior o poder de reivindicação de uma comunidade em relação às suas necessidades e maior a autonomia dos atores envolvidos. “Não existe participação suficiente, nem acabada. Participação que se imagina completa, nisto mesmo começa a regredir” (TENÓRIO, 1993, p. 18). No caso do Centro Cultural C, cujo espaço está em processo de construção de mecanismos de avaliação, há certo distanciamento da participação do público e, portanto, de uma gestão social.

Neste oitavo bloco questionou-se a existência de redes/ intersetorialidade/ parcerias nos programas e nas ações desses centros culturais.

Conforme o gestor do Centro Cultural A, as parcerias sempre são bem-vindas. Este entrevistado completou que sempre que possível o espaço busca parcerias com outros patrocinadores ou grupos artísticos para viabilizar projetos que isoladamente não teriam condições de realizar.

O Centro Cultural B também possui parcerias e o gestor estabelece algumas metas. Ilustrou com a parceria com a Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Secretaria Municipal de Educação, que é fundamental para o programa educativo e que professores sugerem assuntos a serem trabalhados.

No Centro Cultural C, o espaço se posiciona como instituição parceira da cadeia produtiva de Belo Horizonte. Cabe esclarecer que o gestor se refere, nesse caso, que esse centro cultural mobiliza significativo número de técnicos e fornecedores que atuam na produção de eventos: técnicos de som, técnico de iluminação, cenotécnicos, figurinistas, designers, atores, produtores, profissionais de comunicação e tantos outros que dinamizam o mercado cultural de Minas Gerais e do país. Conforme a fala do entrevistado, uma parte relevante da programação desse local é construída por meio da parceira com esses produtores. E após um ano de funcionamento o centro cultural tem se consolidado como espaço de referência para ocupação, promoção e difusão de diversos conteúdos artísticos oriundos do mercado cultural local.

Apesar de algumas diferenças de gestão, os três centros culturais buscam firmar parcerias com patrocinadores, grupos artísticos e poder público. Nessa questão, aproxima-se essa iniciativa de uma gestão social. Tenório (2005, p. 102) observa que gestão social é “como o processo gerencial dialógico no qual a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação”. Essa busca de parcerias pode trazer até um diálogo entre os sujeitos envolvidos, mas não se aproxima de uma gestão social, em que as discussões fazem parte de um processo decisório e compartilhado entre os participantes da ação e não somente em parcerias de viabilização dos projetos.

O nono bloco buscou informações a respeito de indicadores de avaliação de resultados das ações e programas, da metodologia usada e das formas de divulgação da avaliação de resultados.

Foi informado pelo gestor do Centro Cultural A que as fontes de indicadores utilizadas nessa gestão são a mídia espontânea e o relatório anual das atividades. Os orçamentos, programação e relacionamentos são discutidos no comitê de marketing cultural que acontece em Brasília. A forma de divulgação da avaliação de resultados é feita por meio do relatório anual impresso distribuído a um público dirigido e on-line no site do centro cultural. De acordo com Mantoan, (2012, p. 14) “os focos são diversificados e o modus operandi é definido de acordo com os objetivos institucionais de cada empresa gestora”.

De maneira geral, o gestor do Centro Cultural B aludiu à mídia espontânea como uma importante fonte de indicadores em conjunto com o número de visitantes, facebook (numero de acessos) e tripadvisor (pesquisa de satisfação). Esse gestor reportou que as avaliações, orçamentos e planejamento são feitos pelo Conselho Administrativo da Associação – composto pela Fundação, três pessoas da área administrativa e três da área fiscal da empresa. E informou que a forma de divulgação da avaliação de resultados é por meio do relatório anual impresso distribuído a um público dirigido e on-line no site do centro cultural.

Por outro lado, o Centro Cultural C está em fase de análise e avaliação de modelos de indicadores e no momento não possui mecanismo de divulgação de resultados.

Interessante notar que os centros culturais de gestão pública e público- privada (A e B, respectivamente) usam a mídia espontânea como indicador de avaliação de resultados e os dois espaços mantêm reuniões de conselhos e comitês administrativos anuais para avaliação de resultados. A divulgação da avaliação de resultados é feita por intermédio do relatório anual impresso distribuído a um público dirigido e on-line no site do centro cultural. Os desafios são encontrar metodologias e estratégias para avaliar qualitativamente os desdobramentos das ações nos centros culturais, onde o assunto é discutido nos inúmeros encontros com gestores de centros culturais dos quais esta pesquisadora participa com frequência. Já o Centro Cultural de gestão privada está em fase de análise e avaliação de modelos e não possui mecanismos de divulgação de resultados. Esta análise ilustra a dificuldade em se trabalhar com indicadores na área sociocultural. Ou seja, pode-se constatar que mesmo os que possuem mecanismos de avaliação ainda são, em grande parte, quantitativos. Pelo jeito, avaliam, divulgam e ponto final. Não existe desdobramento após a avaliação, consulta ao público, replanejamento com base na avaliação. Mantoan (2012, p. 14) apregoa que “a programação e a oferta das ações vão depender do público-alvo que a empresa tem como estratégia, os focos são diversificados e o modus operandi é definido de acordo com os objetivos institucionais de cada empresa gestora”.

O bloco 10 aborda a prática de gestão desses centros culturais e sua proximidade com o campo da gestão social.

Na visão do gestor do Centro Cultural A, gestão social é entender qual o papel desse centro na sociedade e que impacto gera – positiva ou negativamente – no seu entorno. Respeitar as demandas da sociedade considerando que os resultados não são somente para dentro do espaço constitui um pressuposto da gestão social. O entrevistado realçou que o centro cultural deve ser reconhecido como agente social na comunidade na qual está inserido e citou algumas ações que reconhece como gestão social: contratação de mão de obra local para movimentação da economia criativa; minimização dos impactos ambientais das montagens; implantação de programa de redução de gasto de água e energia; oferta de programação diversificada; total acessibilidade e acolhimento das pessoas a partir de atendimentos diferenciados.

Na perspectiva do gestor do Centro Cultural B, gestão social são as relações entre o governo, privado e comunidade com o universo social em seu entorno ,elucidando que as transformações sociais acontecem por meio desses agentes. Para esse gestor, a cultura está inserida na gestão social, pois a partir do momento em que se oferece cultura e acessibilidade, contribui-se para a transformação das pessoas. O gestor destacou assim a cultura como um instrumento de transformação social.

Por fim, o gestor do Centro Cultural C apresentou um importante mecanismo utilizado pelo espaço e que tem gerado extraordinário impacto nas tomadas de decisões no dia a dia desse centro cultural: o canal “Fale Conosco”, disponibilizado no site institucional. Por meio desse mecanismo de interação on-line os frequentadores desse espaço e as outras pessoas que pretendem conhecer o centro cultural têm a oportunidade de sugerir, criticar e enviar qualquer tipo de mensagem para a gestão do espaço. Ressaltou que tiveram a oportunidade de incorporar na gestão desse centro cultural diversos procedimentos sugeridos pelo público. E que essa postura de diálogo e transparência é perseguida constantemente pelo centro cultural. A respeito de se a gestão se aproxima de uma gestão social, respondeu que sim. E completou citando novamente o canal “Fale Conosco” como uma ferramenta moderna, eficiente e eficaz de diálogo da gestão com os frequentadores desse espaço. Esse centro recebe, diariamente, média de 15 e-mails do público consultando sobre o andamento da casa, tecendo comentários e sugerindo procedimentos que muitas vezes são reprogramados nesse espaço.

O que se revela nessas citações é que os gestores dos centros culturais A e B – público e público-privado – usaram termos que se aproximam mais de uma gestão social, como se segue: entender qual seu papel na sociedade, respeitar as demandas da sociedade, ser reconhecido como agente social na comunidade na qual o espaço está inserido, acessibilidade, acolhimento das pessoas e relações entre o governo, privado e comunidade com universo social em seu entorno. Como indica Tenório (2005, p. 102), “[…] o adjetivo social qualificando o substantivo gestão entendido como o espaço privilegiado de relações sociais em que todos têm o direito à fala, sem nenhum tipo de coação […].”

Já o gestor do Centro Cultural C (de gestão privada) cita o mecanismo “Fale Conosco”, uma ferramenta de diálogo on-line entre o público frequentador e o espaço, em que o público pode tecer comentários e opiniões a respeito das ações e programas como uma gestão social. A ferramenta “Fale Conosco” permeia algum pressuposto de gestão social em que se busca uma forma de diálogo com o público frequentador do espaço. Mas para que isso aconteça é preciso ter o canal de respostas da gestão do próprio espaço e não somente uma ferramenta de escuta.

O penúltimo e 11o bloco aborda a expressão desenvolvimento local e a contribuição dos centros culturais para tal.

O gestor do Centro Cultural A entende como desenvolvimento local as potencialidades daquele local no qual o centro cultural está instalado e o trabalho para que essas potencialidades se efetivem e gerem resultados para aquela comunidade. Mencionou, ainda, o foco no bem-estar, a qualidade de vida com respeito à comunidade local e o estímulo às pessoas refletirem sobre sua realidade em busca de soluções para os problemas a partir de projetos inovadores. E comentou que o centro cultural contribui para o desenvolvimento local promovendo acessibilidade a cultura e geração de emprego e renda.

Em relação à expressão desenvolvimento local, o gestor do Centro Cultural B revelou que osetores criativos, para produzir bens e serviços de forma multidisciplinar, transversal e intersetorial, conseguindo transformar o arranjo produtivo da cultura em uma importante economia de mercado. O espaço possui 35 pessoas contratadas diretamente, três estagiários e 16 terceirizados.

Desenvolvimento local, para o gestor do Centro Cultural C, significa criar meios para que uma casa de espetáculos contribua com o desenvolvimento sociocultural da microrregião de sua localização. No caso específico desse centro cultural, pretende-se fomentar e induzir o desenvolvimento da cadeia produtiva da cidade de Belo Horizonte e contribuir com a requalificação do centro da capital mineira. O entrevistado argumentou que o centro cultural contribui para o desenvolvimento local, sendo um espaço de referência para a produção cultural profissional da cidade, que fomenta a produção cultural mineira com taxas diferenciadas para locação de espaços e prioriza espetáculos mineiros em sua programação.

Pode-se igualmente apreender que os três gestores citaram expressões que se aproximam da contextualização de desenvolvimento local: valorização das potencialidades daquele local, preocupação com o bem-estar e a qualidade de vida, participação da comunidade local, promoção da acessibilidade e geração de emprego e renda, respeito às características daquele território onde está inserido e indução do desenvolvimento da cadeia produtiva da cidade, o que remete às palavras de Tenório:

O desenvolvimento local deve se dar por dentro de processos participativos nos quais a cidadania, de forma individual ou por meio de seus diferentes agentes da sociedade civil, em diálogo com o poder público e o mercado, propõe soluções planejadas em prol do local/regional. A preocupação, portanto, deve ser mais com o processo decisório na solução dos problemas locais, do “como” e não do “através”, da participação e não do mecanismo: de governo, da sociedade civil ou do mercado (TENÓRIO, 2007, p. 101).

Na perspectiva dos gestores, os três centros culturais contribuem para o desenvolvimento local a partir de suas ações.

O bloco 12 finaliza indagando sobre o que os três gestores gostariam de modificar nesses centros culturais caso tivessem mais autonomia.

Primeiramente, o gestor do Centro Cultural A expressou a vontade de ampliar e diversificar as ações e programas do espaço. Não diferenciando muito  dessa proposta, o gestor do Centro Cultural B citou o interesse em trazer mais manifestações do interior para o espaço.

Por fim, o gestor do Centro Cultural C declarou que se contasse com mais recursos para a gestão desse espaço iria implementar uma programação elaborada integralmente por meio de curadoria própria, ficando menos dependente de locação de espaços para terceiros que os procuram para apresentação de seus respectivos espetáculos..

Pode-se supor que o fato de os entrevistados estarem em busca constante por formação continuada e participação constante em cursos, palestras, seminários, fóruns e encontros com outros gestores além da manutenção de um contato com a categoria artística com o objetivo de conhecer as tendências e mudanças no mundo da cultura possibilita-lhes uma postura de permanente crescimento e construção. Assim, percebe-se como algo coerente esse interesse em ampliar e diversificar as ações ou, ainda, a necessidade de curadoria própria.

2 Considerações finais

O presente capítulo apresentou o relato e breve análise das entrevistas com uma amostra de gestores de três diferentes centros culturais. Nele se obtiveram quesitos que os gestores julgam importantes para a boa prática e que dificultam ou favorecem os centros culturais de se aproximarem de uma gestão social com vistas a promover o desenvolvimento local.

Pode-se perceber que todos os gestores têm como meta que suas ações e programas de alguma forma contribuam para o desenvolvimento local e que guardem alguma proximidade com a gestão social. Entretanto, alguns fatores distanciam ou dificultam a gestão dos centros culturais, dos pressupostos da gestão social e de um efetivo desenvolvimento local, conforme se constatou no relato das entrevistas.

Ao mesmo tempo, é interessante notar que os três centros culturais foram implantados em prédios tombados pelo patrimônio, o que gerou como desdobramento uma ação de desenvolvimento local, restaurando e preservando um espaço público para atividades que possibilite participação e socialização.

As gestões pública e público-privada são as que mais se aproximam de uma gestão social, pois seguem diretrizes de composição de conselhos ou comitês administrativos e acessibilidade de participação parcial que seguem políticas públicas. Já o centro cultural de gestão privada segue as diretrizes da própria empresa, apesar de destacar que suas ações e programas são formatados para todo tipo de público, faixa etária e com preços acessíveis.

Apesar das diferenças de gestão, cabe realçar um programa citado por todos os gestores como sendo fundamental para o processo de acessibilidade e formação: as ações educativas criadas e desenvolvidas pelos setores específicos de cada centro cultural.  A intersetorialidade entre cultura e educação é uma importante ferramenta de gestão social, pois envolve vários sujeitos e estimula a formação do cidadão por meio de programas direcionados para a diversidade de públicos, buscando possibilitar a participação e acessibilidade dos espaços.

Sobressai-se, ainda, que tanto a gestão pública quanto a público-privada valorizam a contratação da mão de obra local movimentando a economia, o que contribui para o desenvolvimento do local onde o espaço está inserido.

Finalmente, perguntados a respeito da expressão gestão social e desenvolvimento local, os gestores dos Centros Culturais A e B (público e público-privado, respectivamente) aproximaram-se mais da contextualização dos temas. Já o gestor do Centro Cultural C (de gestão privada) evocou uma ferramenta interna de comunicação externa ao se referir às expressões.

Parece existir uma intenção e o esforço, por parte das três gestões, de desenvolver ferramentas de acessibilidade, participação, formação e socialização para que esses espaços se tornem canais de circulação, fruição, mudanças comportamentais, lazer, valores e produção de conteúdos a partir de ações multidisciplinares de formação e atividades ligadas à cultura, às artes, à educação e à cidadania. Entretanto, a gestão social ainda é mais que um conceito em construção, um campo ou uma concepção que está sendo compreendida e que, portanto, a prática que lhe corresponde é também algo que não se define ou delimita e principalmente algo que ainda não se pratica com tanta clareza ou firmeza.

Um país que viveu o autoritarismo de uma ditadura, apesar de tantos avanços, ainda tem muito a caminhar para alcançar boa parte dos pressupostos da gestão social que convergem para o desenvolvimento local. De qualquer forma, os centros culturais parecem constituir um passo em direção a um projeto mais democrático de sociedade que contemple, entre outros aspectos importantes para a democracia, o direito à cultura, a participação e o diálogo entre os diferentes setores da sociedade.

Referências

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